29/10/12

Greves, formas de luta e de comunicação entre trabalhadores

Em qualquer empresa, num país democrático, a greve é um direito consagrado e uma forma legitima de luta. Independentemente das motivações que levam os trabalhadores a fazerem greve, a verdade é que esta forma tem sido utilizada em Portugal ao longo das últimas décadas, desde o 25 de Abril.

É uma verdade que, quando se trata de transportes colectivos, quem sofre mais com as greves são os passageiros que a utilizam. São as filas de espera nas paragens, são as frustrações que cada pessoa carrega consigo, a angústia de não chegar a horas ao emprego. É a incerteza do transporte que nunca mais chega. E é a sensação amarga de (quem tem passe ou comprou uma senha com viagens carregadas) de ter pago por um serviço que não usufrui.


 Aviso de Greve por parte da STCP, retirada do site da empresa.

E é certo que amanhã, no Porto e nos concelhos à volta, vamos ter mais um dia assim - cerca de oito horas - sem que boa parte dos serviços da STCP estejam a funcionar normalmente. É certo que existirão alguns motoristas que se apresentarão ao trabalho e farão as linhas que lhes atribuírem, como se fosse um dia normal. 

O que é certo, é que desde o advento da democracia no nosso país, as greves têm sido uma forma de luta por parte dos trabalhadores da STCP e os sindicatos têm sido as organizações que se batem pela defesa dos interesses de quem trabalha. A verdade é que a "revolução dos cravos" despertou nas pessoas a necessidade (e também a liberdade) dos trabalhadores se organizarem para discutir os seus problema laborais e também defenderem os seus interesses junto de quem dirige a empresa, nomeadamente, o Conselho de Gerência (agora designado Conselho de Administração).


Greves
Hoje vamos recordar uma das (muitas) greves que se sucederam na empresa, nomeadamente em Novembro de 1976. A greve sucedeu-se devido ao facto dos motoristas terem assinado um Contrato Colectivo de Trabalho com a Empresa, em que algumas das clausulas não estariam a ser cumpridas por aquela entidade (nomeadamente subsídios relacionados com as refeições). Foi uma greve que durou alguns dias (oito), o tempo suficiente para que se tornasse impopular junto dos passageiros - impopularidade essa que os jornais ajudavam a transmitir, quer através das noticias, quer através das crónicas de opinião de alguns jornalistas.Até porque seriam as "classes desfavorecidas" que "andariam a pé"...

Primeira página de "O Comércio do Porto", Novembro de 1976

E com efeito, nessa semana, os efeitos da greve fizeram-se sentir e em força. Na empresa, só a frota de carros eléctricos se apresentou ao serviço, o que, naturalmente, fez com que os eléctricos andassem á pinha. Era perfeitamente visível a existência de filas nas paragens, e, à medida que o tempo passava, a impaciência dos passageiros aumentava e os artigos de opinião nos jornais (nomeadamente, "O Comércio do Porto) reflectiam precisamente o sentimento de desagrado de toda a população. Até porque se a luta dos trabalhadores era "justíssima", a verdade é que os motoristas do STCP estariam a "prejudicar outros trabalhadores" com esta greve.



Diversas páginas de "O Comércio do Porto", Novembro de 1976

E assim, quando a greve foi levantada, foi com "simpatia e carinho" que o público recebeu os motoristas, quando estes voltaram ao trabalho. Todavia, nem tudo foram rosas, até porque na recolha da Areosa (onde estavam estacionados os tróleis) assistiram-se a alguns incidentes, nomeadamente pedradas na portaria e nos vidros de um trólei.

Noticia retirada de "O Comércio do Porto", Novembro de 1976

Depois desta greve, muitas outras se seguiriam. Umas de zelo (a "greve da mala" dos cobradores) e outras em que as viaturas não saíam das estações de recolha. É uma situação que tem ocorrido até aos nossos dias, e amanhã será mais um exemplo de como a greve é uma forma de luta. 


Formas de luta e de comunicação
Mas quando se quer lutar por melhores condições de trabalho, fazer-se representar junto de quem decide na empresa, é necessário organizar uma estrutura para esse fim. E para isso é necessário gente que se disponha a fazer esse trabalho. E também é necessário esclarecer, e informar os trabalhadores dos seus direitos, dos seus deveres - e daquilo pelo qual se pode e deve lutar.

Se é verdade que hoje as formas de comunicação estão muito mais facilitadas - a Internet, com o Facebook, os blogues, as páginas de cada organização, os fóruns - anteriormente não era assim tão fácil comunicar com todas as estruturas da empresa.

Talvez por isso (e porque também no pós 25 de Abril a ideologia comunista tinha uma enorme influência junto das classes trabalhadoras) surgiu, entre os trabalhadores do STCP, a ideia de fazer um jornal de, e para quem lá trabalhava. Tive acesso a alguns números (não muitos), embora não possa dizer concretamente qual a duração do jornal. Posso dizer que a maioria dos exemplares datava de 1975. Uma altura fortemente conturbada, portanto.
Primeira página de "Jornal dos Trabalhadores do STCP", Abril de 1975

Basicamente, os assuntos passavam desde a organização de um sindicato único para todos os trabalhadores dos Transportes Colectivos a nivel nacional, ou as negociações junto do Conselho de Gerência; até aos assuntos mais correntes, como o (mau) comportamento de algumas chefias ou as peripécias protagonizadas por pessoal que, alegadamente, teria mais qualificações que os motoristas e mecânicos. 

Uma página do jornal referido

Confesso que não sei onde o jornal era editado, mas quem o lia e quisesse de forma alguma participar, com opiniões ou artigos, teria que o enviar para um apartado na Areosa. Portanto, desconfio que era na Recolha que o Jornal era escrito e impresso.

Uma carta aberta ao Conselho de Gerência e uma noticia de publicação do Acordo Colectivo de Trabalho no "Jornal dos Trabalhadores do STCP".

Actualmente, os trabalhadores da STCP encontram-se representados por vários sindicatos: STRUN (Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte), SITRA (Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal) SNM (Sindicato Nacional dos Motoristas). Encontram-se igualmente representados por uma Comissão de Trabalhadores,  que, segundo a sua página no Facebook "Representa todos os trabalhadores permanentes da STCP, independentemente do grupo profissional em que se enquadrem e da função e ou categoria profissional que desempenhem, sem qualquer discriminação baseada no sexo, raça, idade, convicções politicas, sindicais, religiosas, ou qualquer outro facto que atente contra os direitos, liberdades e garantias fundamentais do homem. A CT-STCP é composta por 11 elementos eleitos para mandatos de 2 anos." Esta comissão nasceu em Abril de 1983 e exerce as suas funções em todos os locais de operação da empresa. 


Fontes:
-  Jornal "O Comércio do Porto", Novembro de 1976 (Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto)
- "Jornal dos Trabalhadores do STCP", 1975 (Vários exemplares - Arquivo da Biblioteca Pública Municipal do Porto) 
-  Jornal de Noticias (www.jn.pt)
-  Site da STCP (www.stcp.pt)

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